Chegamos na parte 3. Não vou gastar muito tempo aqui na introdução porque o texto ficou muito grande.
O app está começando a ficar funcional. Está usável. É hora de subir na Playstore. Mas a gente precisava de duas coisas antes: nome e logo.
Para contextualizar, a parte 1 começa no fim de 2016. A parte 2 começa em janeiro de 2017. Agora estamos falando do começo de fevereiro até abril de 2017
Eu já pensava no nome com o Gabriel desde janeiro, mas a gente nunca chegava num consenso. A gente chamava o projeto de Finapp (app financeiro), mas sabia que era um nome temporário, devido ao simples fato de ser um nome merda.
Detalhe das primeiras versões no excel em 2016 com o nome de FinApp
Depois de algumas sessões de brainstorm jogando tudo que é tipo de nome possível num Excel e odiando todos, o Gabriel surgiu com “Real Valor”.
Aquele nome pareceu bom.
Mas como tudo na empresa, a gente tem que buscar um bom “por que” de acharmos aquele nome bom. Acho que é pelo background de engenharia mecânica.
Começamos a tentar criar explicações de porque “Real Valor” era bom.
“Real Valor, porque a gente vai mostrar o real valor do portfólio do usuário.”
Por algum motivo, continuamos. Mas explicações foram ficando um pouco menos robustas: Real Valor… a abreviação RV também remete a renda variável. Real Valor… Real é a moeda brasileira e isso é uma solução para o mercado financeiro brasileiro.
Tá. Chega. Tá bom já. O nome vai ser Real Valor.
Real Valor nasceu feminino. A gente falava que a gente estava criando “a” Real Valor. Fazia sentido, afinal era A startup Real Valor.
Mas poucas semanas depois, quando fomos comprar o domínio na web, vimos que www.realvalor.com.br já existia.
A solução foi comprar orealvalor.com.br.
A partir de então, fizemos uma transição de gênero na empresa e passamos a falar que estávamos construindo “O Real Valor”. Até o fim da vida do Real Valor, a gente corrigia pessoas que teimavam em usar o artigo feminino. Também era comum corrigir quem chamava de Valor Real.
Ter um logo bom era menos crítico do que o nome, porque era mais fácil mudar nas próximas versões. Lembre que a ideia era lançar o Alfa do aplicativo e colocar na mão das pessoas mais próximas.
Não era necessário ter um logo feito por um designer experiente nesse momento.
Joguei num grupo com alguns amigos que estava precisando de um logo para o Real Valor. Eles já sabiam do aplicativo que eu estava construindo e um amigo mandou essa imagem em menos de 5 minutos.
Meio Rexona né? Mas não tinha problema. A gente mudaria em breve.
Acho que ele fez no paint.
A gente comentou que estava parecido com o logo do Rexona, mas paciência. Decidimos ir com ele mesmo e qualquer coisa a gente mudava lá na frente.
Tudo pronto para lançar o teste alfa: aplicativo funcionando, nome pronto e logo feito. Vamos subir esse app na loja!
O principal motivo para lançar o app era poder botar na mão de amigos e ter umas 10-20 pessoas testando ao mesmo tempo e dando feedbacks.
Eu sabia onde o aplicativo precisava melhorar, afinal eu era publico alvo do app. Eu queria aposentar minhas planilhas de acompanhamento e usar apenas o app, mas ainda não era possível.
Mas melhor do que ir construindo o app que eu queria era colocar na mão de outras pessoas e ter mais feedbacks. Tinha aprendido isso lá no livro Lean Startup do Eric Ries que eu falei que tinha lido, lembra?
Tudo estava indo às mil maravilhas na biblioteca. A gente chegava na PUC quando a biblioteca abria e íamos embora quando ela fechava.
Ao longo do dia, a biblioteca era vazia e geladinha (importante para o verão carioca).
Ela era bem vazia. Só a gente ia para a biblioteca. Um dia uma bibliotecária perguntou para a gente quando seria o “concurso” para qual a gente estava estudando. A gente desconversou: falamos que ainda não tinha data. Ela falou que estava torcendo para a gente, porque a gente era muito dedicado e ia todos os dias.
Tudo estava lindo.
Mas do nada aconteceu uma coisa que a gente não tinha antevisto: a famigerada volta às aulas.
Do nada começou a não ter lugar para a gente sentar na volta do almoço.
Biblioteca começou a ficar cheia.
Vida de empreendedor né? Surge dificuldade de tudo que é canto.
Não sei se você se lembra, mas a biblioteca abria as 8:30 e a gente chegava na Puc entre 8 e 8:30.
Só que a volta às aulas trouxe outro problema. Como as aulas começavam as 7:00 e muuuuito aluno ia de carro para a faculdade, logo no primeiro dia de aula, a gente chegou no estacionamento e não tinha vaga.
Ah.. tinha um detalhe: por conta de uma obra do metrô, uma parte das vagas do estacionamento deixaram de existir.
Obra do metrô no estacionamento da Puc.
Sabe que que isso significa? Que você fica na fila, do lado de fora do estacionamento. A fila só anda quando um carro vai embora. Mas como as aulas acabavam as 9:00, a fila só andava por volta desse horário.
Depois desse imprevisto, decidimos que a gente precisava chegar antes das 7:00 para não ficar preso na fila. Essa decisão resolvia a questão da fila, mas criava 2 outros problemas:
Agora a gente precisava acordar cedo pacas (eu odeio acordar cedo e o Gabriel mais ainda)
A gente tinha que achar alguma coisa para fazer entre 7:00 e 8:30
O que que a gente fazia das 7:00 às 8:30?
Dependia.
As vezes tirava uma soneca no bosque, as vezes ficava trocando ideia do que tinha que fazer, as vezes encontrávamos algum amigo, as vezes trabalhava ali nas arquibancadas do leme.
Mas a volta as aulas não foi de tudo ruim. Com a faculdade transbordando de alunos, o Gabriel descobriu que teria um evento sobre startups num coworking que ficava atrás da PUC. Era de uma aceleradora de Startups chamada ACE.
Decidimos ir lá ver qual era.
O mundo de startups era novo para mim. Apesar de a essa altura já ter lido Lean Startup, De zero a 1 e estar criando um app, nunca tinha ido para um evento de startups.
Foram uns 20 minutos falando sobre empreendedorismo, sobre a ACE, sobre as startups da ACE. Eu não conhecia a ACE até aquele momento, mas já estava convencido que o Real Valor tinha que ir para lá. Lá a gente iria aprender com o pessoal que vive o empreendedorismo dia e noite, além de conviver com outras empresas em busca do sonho.
Depois desse papo, eles organizaram uma dinâmica com a plateia. Todos deveriam escrever um problema do dia a dia num pedacinho de papel e entregar para eles.
Depois fomos divididos em grupos de 5. Cada grupo recebeu alguns papeizinhos com problemas que as pessoas tinham colocado. A ideia era criar uma startup imaginária para algum daqueles problemas e apresentar lá na frente.
Meu grupo pegou um papel que reclamava de falta de vagas. A gente decidiu “criar” um AirBnb de vagas. Fizemos um brainstorm lá na hora e “criamos” uma startup que uma pessoa que vai de carro para o trabalho pode alugar a sua vaga durante o dia para uma pessoa que trabalha perto de onde ela mora.
Apesar de eu ser meio tímido, decidi me voluntariar a apresentar. Como eu estava criando o Real Valor, cedo ou tarde precisaria estar em situações desconfortáveis como essa de defender minha ideia na frente de uma plateia. Não tinha nada a perder ali, então decidi treinar.
Apresentação que eu fiz no evento da ACE
Do caralho. Saí de lá energizado. O Gabriel teve a mesma sensação que eu tive: vamos nos inscrever pra ACE.
Antes mesmo de sair, puxamos um papo com os 2 caras da ACE para depois eles lembrarem da gente quando a gente fosse se inscrever. Contamos sobre o que a gente estava fazendo, perguntamos detalhes de como funcionava a inscrição e batemos um papo.
Logo depois daquele dia, inscrevemos o Real Valor na ACE.
Já tínhamos um app funcionando, um logo, um nome e um sonho. O que poderia nos deter? Era só aguardar o aceite.
Enquanto a gente aprimorava o aplicativo, corrigindo bugs e adicionando novos tipos de investimento, como fundos e tesouro direto, o Gabriel recebeu um email da UFRJ chamando para uma incubação/aceleração.
Ele perguntou que que eu achava. Uai, bora! Que que temos a perder?
Nos inscrevemos e passamos. (Achei o pitch que a gente enviou nessa época, mas vou colocar no fim do texto para garantir que você leia até o final kkkk)
Era uma imersão de 1 semana no campus da UFRJ capitaneada pelo GN2. GN2 é um projeto de formação complementar de empreendedorismo para alunos de engenharia. Naquele ano, eles decidiram levar umas startups para lá, levar uns mentores e fazerem umas dinâmicas.
Fomos para lá sem botar muita fé.
Parece bobagem, mas o fato de estar próximo de pessoas e empresas que estão na mesma batalha que você é um baita motivador.
Eu e Gabriel apresentando a ideia no GN2
Lá a gente teve palestras dos monstros Paulo Monteiro do Responde Aí e João Barcellos da Stone. Os 2 viraram mentores e grandes amigos que carrego comigo até hoje.
A aproximação com o João foi mais fácil, porque ele estava saindo com uma amiga em comum.
Com o Paulinho foi mais difícil, mas a gente descobriu que ele voltaria para casa de Uber. Já chegamos oferecendo uma carona para ele. Passar uma hora no carro trocando ideia e aprendendo não tinha preço.
Um dos alunos que participava do Gn2 era o Thiago Ferolla que viria a ser sócio do Real Valor e hoje está comigo como CTO da Scarf.
Talvez o pessoal do GN2 não tenha a noção da importância que tiveram para a gente, mas até hoje colhemos frutos daquela uma semana.
Depois de 1 semana de UFRJ, era hora de voltar para a PUC.
Apesar de eu ter tomado a liberdade de contar acontecimentos menos ligados ao desenvolvimento do app nessa parte 3/15, ele continuava a todo vapor.
Todos os dias.
Com a versão alfa na rua, pedimos para 10-20 amigos baixarem o app e darem feedbacks.
Apesar de alguns terem ajudado muito, a verdade é que é difícil botar amigos para testarem. É muito melhor quando é uma pessoa que tem a dor latente. O amigo faz pela amizade, mas ele não testa todos os dias. Ele não está tão envolvido com aquele problema.
Num primeiro momento, eu fiquei puto. Depois, entendi que não é para levar para o pessoal. Isso não torna aquela pessoa menos amiga. O erro está em botar o app na mão de pessoas que não são persona.
Os feedbacks eram principalmente de bugs, o que já era ótimo.
Nosso controle de Feedbacks. Minha irmã que me fez começar a investir também ajudou dava feedbacks.
Além dos bugs, a gente sabia exatamente o que o app precisava:
Produtos “core” da carteira do investidor: ações, renda fixa, fundos, tesouro direto
Análises mais aprofundadas
Por ora, nosso desenvolvimento era focado nisso. No momento que tivéssemos esses 2 pontos (além de corrigir os bugs), a gente estaria pronto para lançar o beta.
A ideia do beta era ser mais do que um app funcional: era ser o suficiente para pessoas abandonarem planilhas de Excel e migrarem o acompanhamento para o Real Valor.
O aplicativo estava ficando funcional mas ainda faltavam coisas
Pelo jeito que as coisas estavam andando, a gente imaginava que o beta poderia sair lá para maio ou junho.
Eis que recebo um email da ACE com o assunto “Feedback ACE: resultado e comentários sobre a sua startup”.
Putz… Se a notícia fosse boa, o assunto seria algo na linha de “parabéns” ou “bem-vindo”.
Abri o email e constatei o óbvio: o Real Valor tinha sido rejeitado na ACE.
Email da ACE dizendo que não fomos aprovados
Fiquei maluco de raiva. O ódio tomou conta do meu ser.
“Avaliamos sua inscrição e entendemos que vocês ainda estão com a operação, e o que chamamos de MVP (Mínimo Produto Viável), em um estágio muito inicial. Ainda não temos resultados consistentes para entender à fundo como esse negócio funciona e cresce.”
Minha cabeça foi a milhão:
"Porra, qual é dessa aceleradora? Não quer startup no começo? Quer que já esteja validado?"
"Mas aí não faz sentido."
"Não quis a gente quando a gente estava no início?"
"Vão se arrepender, porque a gente vai crescer e eles vão ter perdido a oportunidade. Não me inscrevo nessa ACE de novo NEM FUDENDO."
Como pode perceber, eu sempre fui a parte mais emocional da dupla.
Enquanto eu proferia essas frases destrutivas, o Gabriel tentava entender por que não passamos.
Olhando em retrospectiva, é óbvio que ele estava certo e eu estava errado: a gente se beneficiaria muito mais de tentar entender o que faltava no app ou na aplicação do que ficar puto, maaaas…
Eu estava revoltado.
No email estava escrito que apesar de não estarmos no momento certo, eles gostaram da aplicação e nos convidavam a aplicar de novo para agosto.
Para o Gabriel, a gente deveria continuar progredindo e aplicar de novo, afinal, a gente não tinha nada a perder.
Ele não entendia a minha visão de nunca mais aplicar para “esses caras”. Eu tentava mostrar para ele que tínhamos algo a perder sim: o orgulho. Mas obviamente o meu orgulho era grande demais de falar que não queria aplicar justamente por orgulho. Paradoxal né?
Não sei se ficou claro, mas eu estava MALUCO.
Deixa eu dar um contexto: quando eu levo esse tipo de coisa para o lado pessoal, eu não fico cego de raiva não.
Mentira… fico sim, mas só no começo. Depois passa e vira combustível.
Eu costumo usar esse sentimento de rejeição para me motivar a provar para mim mesmo que “eles estavam errados”.
Esse sentimento não era novo para mim.
Quando fui recusado no processo seletivo de Trainee da Ambev, botei na cabeça que iria fazer “esses caras se arrependerem”. Recebi um email depois falando que gostaram do meu desempenho e queriam oferecer uma nova oportunidade. Meu pai tentou me mostrar que fazia sentido “Eles perceberam que fizeram merda e querem que você vá pra lá”. “Paciência. Não piso lá mais.”
Passei a querer provar para eles que eles estavam errados.
Quando me demiti da consultoria que eu trabalhava para fazer o que viria a ser o Real Valor, mencionei os meus planos de criar a startup na entrevista demissional. Em algum momento, falei que meu objetivo era fazer mais dinheiro do que os sócios da consultoria. As pessoas que estavam me entrevistando deram uma risada de descrença. Aquilo foi outro momento…
Como já diria Mano Brown, “pode rir, mas não desacredita não”. Aquilo também entrou na minha cabeça e passou a ser uma puta motivação para fazer o Real Valor dar certo.
Agora eu estava diante da 3a situação parecida.
Não queria aplicar de novo na ACE. Queria provar que eles estavam errados.
Mas dessa vez aconteceu algo diferente. Eu não lembro exatamente como o ANJO Gabriel Farias fez isso, mas ele conseguiu me tirar do modo 100% emoção para o modo razão, me acalmou e me convenceu matematicamente que valia a pena tentar de novo.
Antes que você pense que eu sou um menino mimado, lembre-se que meu objetivo ao escrever esses textos era mostrar a realidade nua e crua. É isso que eu estou fazendo aqui. É sem maquiagem. Óbvio que cometi erros para caceta e óbvio que eu não concordo com a reação que eu tive. Mas é muito fácil falar agora. Na hora, o negócio foi punk.
Há quem diga que para uma startup ser bem-sucedida, é necessário 3H:
Hacker - o desenvolvedor que vai conseguir desenvolver o produto
Hipster - o designer que vai deixar o produto com uma boa interface e usabilidade
Hustler - o cara que vai atrás de todo o resto e não para até que alcance o sucesso.
O Real Valor não tinha nem o Hacker e nem o Hipster, mas tinha 2 Hustlers. Até aqui eu falei sobre o Hustle de transformar uma ideia num produto (bem inicial ainda, como a ACE mesmo disse no email).
A partir da parte 4/15, eu começo a falar sobre o Hustle de aquisição de usuários. É basicamente quando o Real Valor começa a deixar de ser um projeto e começa a virar uma empresa.
E obviamente o método foi parecido: não tinha ideia de como fazer, então usei alguns recursos como:
Cara de pau
Insistência
Pesquisas infinitas no Google
Obrigado por ter lido até aqui (por algum motivo, cada semana os textos têm ficado maiores). Quarta que vem tem mais!
Ps1: Pitch deck de para entrar no GN2 do Real Valor. Acabei de ver que já estava com o logo pós Rexona. Conto essa história no 4/15