Muito empreendedor tem o sonho de vender a sua startup.
Eu vendi.
Em 2017 eu não sabia nem programar. Agora estamos em 2020 e todos os bancos e corretoras estavam entrando em contato querendo comprar a minha empresa.
Do mesmo jeito que eu não sabia programar 3 anos antes, eu não sabia vender uma empresa agora.
O texto de hoje é sobre isso.
Antes de entrar na história, preciso parar para explicar alguns termos que vão ser usados.
Se você já conhece o assunto, pule para a próxima seção.
Se não conhece, prometo que vai ser rápido e o mais simples possível.
É o quanto a empresa vale. Isso define o potencial de dinheiro que eu teria a receber no caso de venda. Por que potencial? Porque é muito raro uma venda ser feita 100% em cash no momento da compra.
O comprador quer ter certeza que a compra vai dar certo, e pra isso, geralmente coloca algumas travas para o vendedor receber todo o dinheiro. Uma muito comum é o lockup.
Tempo definido por contrato para que as pessoas chave da empresa vendedora continuem no business. Pensa que você está comprando uma startup por 20 milhões de reais e 1 mês depois, os fundadores decidem ir embora.
Fudeu ne?
É por isso que existe a clausula de lockup. Nesse caso, eles até podem ir embora, mas ao fazer isso, abrem mão de graaaaande parte do dinheiro. O lockup serve para criar incentivo para as pessoas chave ficarem na companhia o tempo necessário para fazer uma boa transição.
O dinheiro que entra no bolso do vendedor no momento da compra. Muito raramente é o valor completo do deal. Geralmente é uma parte e a outra parte vai ser paga com o passar do tempo ou atrelado ao atingimento de metas.
Parte de dinheiro que é recebida ao se atingir metas.
Nem sempre um deal precisa ser 100% composto de dinheiro. As vezes se faz troca de ações.
Digamos que uma empresa vale 100 milhões e a empresa que quer comprar vale 1 bilhão. É possível comprar sem envolver dinheiro, dando 10% em ações da empresa compradora (que valem 100 milhões).
Essa ação pode, inclusive, se valorizar e acabar valendo mais lá na frente. O problema disso é liquidez: as vezes vale mais ter 100 milhões no bolso do que 200 milhões em ações que você não pode vender.
Uns meses antes da XP comprar a Fliper e agitar o mercado, eu conversei com o CEO de uma corretora. A pauta era uma parceria do Real Valor com a corretora em questão.
Em dado momento, ele soltou uma pergunta despretensiosa.
“Cara, você pensa em vender o Real Valor? Talvez faça sentido para a gente”
Respondi com uma pergunta aberta, do tipo “Como você imaginaria isso?”
E a resposta dele me marcou para a vida. Foi tão sincero que eu fiquei sem reação.
“Cara, eu penso em algo nessa linha: A gente compra vocês, bota um lockup de 3 anos, burocratiza tudo, bota a tecnologia do Real Valor para dentro da corretora e em 3 anos você vai embora rico e puto. Não vou criar fantasias. É isso que vai acontecer.”
Ca ra lho!
Dei alguma resposta meio evasiva do tipo “Acho que faz sentido. Vamos evoluir essa conversa”.
Mas na verdade eu sai desse papo meio atordoado.
“Porra. Não quero vender se for assim não cara.”
Quando você cria uma empresa, você se apega emocionalmente com ela. Vender e ver a sua “filha” ter um fim trágico desses é meio impensável. Mesmo que isso renda um bom dinheiro.
Além disso, eu conhecia gente que tinha vendido a empresa e acabou saindo antes do período de lockup (sim, abrindo mão de dinheiro) simplesmente porque não conseguia mais trabalhar numa empresa tão burocrática, onde ele não conseguia mais evoluir o seu produto do jeito que queria.
Para mim, trabalho não é só fonte de renda. É fonte de vida.
Trabalhar num lugar que eu não gosto, só para ganhar dinheiro é uma MERDA. Não sei se você já viveu isso, mas eu vivi algumas vezes e tinha botado na minha cabeça que não queria isso mais.
Sai daquela conversa com a certeza de que não venderia para eles. Queria vender para uma empresa que tivesse interesses mais nobres.
Como eu era ingênuo… A grande maioria das empresas era justamente como aquela. A única diferença é que esse CEO tinha sido transparente.
As outras não seriam.
Parecia mágica.
Depois que a XP comprou a Fliper, comecei a receber mensagens de bancos e corretoras querendo conversar.
Todo dia tinha um email, WhatsApp ou mensagem no LinkedIn.
Dois prints desses tipo de contatos que começaram a acontecer
Estamos falando de BTG, Banco do Brasil, Santander, Bradesco, Toro, Warren, etc etc.
O objetivo deles era saber como explorar sinergias para uma possível aquisição. Elas ainda não eram conversas de aquisição, mas se tudo desse certo evoluiriam para ser.
Marquei reunião com todos.
Dava para perceber como cada empresa funcionava só de ver a dinâmica das reuniões.
Em algumas, havia uma secretária para marcar o que seria o melhor horário para todos. Em outras não.
Em algumas, iam 2-3 diretores. Em outras, uns 10.
A conversa mais memorável foi com o Banco do Brasil, mas por um motivo inesperado.
A conversa foi bem boa. Os caras eram muito bons e muito antenados em tecnologia. Não esperava por isso do Banco do Brasil. Fui para o papo com certo preconceito, achando que era uma instituição quadradona.
No fim dessa conversa, fui tentar marcar a próxima para evitar que o interesse esfriasse.
Isso estava sendo procedimento padrão. Eu estava fazendo isso em todos os papos. Geralmente a próxima conversa era marcada para dali a uma ou duas semanas.
No Banco do Brasil foi diferente.
Eles não conseguiam deixar uma nova reunião marcada, porque eles teriam que fazer uma nova reunião interna para definir quando eles poderiam falar. Ai entrariam em contato comigo para a gente marcar a próxima.
Eu estava certo com o meu preconceito. A instituição de fato era quadradona.
Lembro de ligar pro Gabriel logo após o call.
“Cara, não da pra vender pra eles. Se eles demoram assim para conseguir marcar reunião, imagina como vai ser se a gente for trabalhar com eles? A gente vai ficar maluco cara.”
Ele devolveu que a gente não poderia ser tão exigente na escolha de quem iria nos comprar.
Claramente a gente estava desalinhado.
A gente queria vender para um banco ou corretora desde o início de 2017. Isso inclusive estava nas nossas primeiras apresentações da empresa.
Mas a gente tinha que alinhar algumas coisas.
O que seria uma venda considerada sucesso?
Depois de um bom tempo conversando, chegamos a alguns tópico
O projeto não deveria acabar com uma compra. Na verdade ele deveria ser acelerado para criar mais leads para a corretora
O comprador deveria ter valores parecidos com os nossos.
O comprador deveria ter potencial de crescer rápido
A gente não deveria ser “só mais um” depois de comprado
A gente tinha que ficar rico na venda
Uma analogia que a gente falava muito nessa época era: o Real Valor é nossa filha. Agora a gente vai ver nossa filha se casar. Queremos que ela se case com uma pessoa que tenha valores parecidos com os nossos, que vá tratá-la bem e que ela possa crescer junto com o seu marido.
Não queremos um marido cheio da grana, mas que pode maltratá-la.
Agora a gente estava alinhado sobre o que queria e não queria.
Os conselhos de quem já viveu um M&A
Ao longo da história do Real Valor, sempre que me deparei com situações novas para mim, fui atrás de quem já tinha vivido aquilo para pegar conselhos.
E agora não seria diferente.
Fui atrás de quem já tinha vendido sua startup para aprender com os erros e acertos.
Os insights mais valiosos que recebi foram: Quando é rápido, demora pelo menos 6 meses O business vai pro cacete durante as negociações Tenha caixa Consiga bons advogados imediatamente
Um processo de M&A nunca é rápido.
O comprador e vendedor até podem se entender rapidamente, mas os advogados certamente não irão.
Além disso, ainda existe o Due Diligence, que é um pente fino que o comprador passa na empresa inteira para saber se não está comprando gato por lebre. Ele demooooora pra caramba.
Eu fui avisado que uma aquisição RELÂMPAGO não seria mais rápido do que 6 meses. Não adianta tentar fazer mais rápido do que isso. Simplesmente não rola.
É tipo aquela história de que nove grávidas não fazem um bebê em um mês. A gente teria que esperar os "nove meses".
Isso foi importante para alinhar as expectativas e não achar que as coisas estavam indo devagar demais.
Durante uma negociação, o business começa a lateralizar ou até embicar para baixo.
Os sócios tipicamente começam a dar atenção quase que integral ao deal e a empresa começa a rodar sem os founders por perto.
Invariavelmente isso desacelera o crescimento.
Não tem muito como fugir disso.
Se os sócios não se dedicarem integralmente ao deal, quem vai lateralizar é o próprio deal.
Enquanto a negociação tá rolando, as contas continuam chegando. E se o business ainda não estava sendo lucrativo, com a ausência dos founders na operação, a receita iria cair.
Era importante atravessar esse período com caixa.
Um erro grave era não estar confortável com o caixa, porque quanto mais a negociação se estende, mais estrangulado a vendedora fica.
O comprador percebe isso e pode, propositalmente, arrastar a negociação para conseguir ter leverage em cima do vendedor.
Esse quesito era um pouco preocupante.
A gente tinha uns 8-9 meses de runway. Mas se o deal não saísse em tempo recorde, a gente ficaria numa situação bem complicada. Ou seja, a gente precisava se preparar.
Mas como?
Pegar um investimento no meio do caminho para conseguir sobreviver mais tempo?
Se a gente fizesse isso, o valor da companhia vai estar razoavelmente ancorado no valor desse round.
O comprador não iria querer comprar por muito mais do que o fundo colocou.
E do outro lado, o fundo também não vai querer investir para vender dali a alguns meses sem ter lucro.
Essa situação era bem delicada e me trouxe uns bons cabelos brancos.
Vai começar a ter conversas de M&A?
Contrata um puta escritório desde já.
“Ah, mas é muito caro”
Acredite, honorários são baratos. Caro é fazer deal cagado.
E a dica também foi de combinar um teto de honorários, se não o deal pode se arrastar e conta pode crescer indefinidamente.
Uma startup muito próxima tinha acabado de fazer um exit e tinha passado essa dica.
Eles sugeriram o Demarest, mas a gente tinha um bom relacionamento com o Vieira e Rezende e decidimos fechar com eles.
Nas primeiras conversas com os potenciais compradores, o objetivo era entender as sinergias. Mas a gente sabia que em algum momento o assunto evoluiria para preço.
A gente precisava urgentemente de alguma metodologia para chegar a um numero que fizesse sentido, não só para a gente, mas para o comprador também
Existem algumas fórmulas consagradas para se calcular o valuation de empresas mais consolidadas. O problema é que a gente era uma startup e não uma empresa consolidada.
Valuation de startup é completamente diferente. Elas costumam ser avaliadas mais pelo seu potencial do que sua geração de caixa.
Instagram foi comprado em 2012 por 1 bilhão de dólares mesmo sem fazer 1 real de receita.
Por que o Meta pagou isso tudo?
Porque eles viam potencial naquilo.
Esse potencial se mostrou verdade. Instagram faturou 32bi dólares em 2021.
Então a compra foi barata? Olhando pra trás parece que sim, mas ali na hora existiam infinitas variáveis.
Percebe que comprar uma startup é bem mais complicado do que uma empresa?
Não seria fácil chegar a um valor para o Real Valor… e ainda tinha um agravante.
Na vida de uma startup, é comum ela receber alguns aportes financeiros. Esses aportes vão dando um cheiro do quanto a empresa vale.
Se um investidor coloca 1 milhão de reais por 10%, essa empresa vale 10 milhões. Se mais tarde um novo investidor coloca 10 milhões por 15%, essa empresa agora vale 66 milhões.
Se dali a um tempo essa empresa começa a negociar para vender, a menos que tenha acontecido algo muito ruim, como ela ter diminuído receita, ou o mercado ter adotado uma postura mais pessimista, ela provavelmente vai ser vendida por um valor maior do que 66 milhões.
O problema é que o Real Valor, ao longo de 3 anos, só tinha recebido 2 aportes
Ace colocou 150k por 10% em 2018 (setando o valuation em 1,5 milhões)
StartupRio colocou 84k brl em 2019 equity free, ou seja, como eles não receberam nenhum percentual da empresa, não teve um novo valuation
O nosso último valuation tinha sido em 2018, quando a gente não tinha nem muita ideia do que a gente estava fazendo.
O jeito era calcular por múltiplos dos concorrentes.
A gente fez uma engenharia reversa digna dos bons tempos de consultoria para chegar a uma faixa de valuation que fizesse sentido.
Em cada rodada de investimento é comum uma faixa de diluição, como mostra a imagem a seguir.
A cada round que meus concorrentes captavam, saiam notícias contando sobre o valores e qual round tinha sido.
Com isso, dava para ter uma noção do valuation dessas empresas em cada momento.
Mas como usar isso para chegar no valuation do Real Valor?
Ai entrou a sacada da ACE.
“Vamos usar múltiplos de usuários ativos ou de valor monitorado”
Em cada uma dessas notícias falando sobre captação, também eram divulgados o número de usuários que eles tinham e o valor financeiro total monitorado pela plataforma.
Se a gente sabe o quanto a empresa vale e sabemos quantos usuários e/ou qual o valor monitorado, a gente pode descobrir quanto vale cada usuário e cada real monitorado.
Se a gente pega esse valor e multiplica com os números do Real Valor, a gente chega num valuation que faz algum sentido.
Talvez tenha ficado complicado demais.
Um exemplo vai facilitar o entendimento:
Digamos que a empresa X recebeu 2 milhões numa rodada seed, que costuma diluir os founders em 10-20%. Isso significa que essa empresa vale entre 10 e 20 milhões de reais (2 milhões/20% e 2 milhões/10%).
Agora digamos que ela tenha 12k usuários ativos.
Para chegar a quanto vale um usuário ativo, basta dividir o valuation pela quantidade de usuários ativos, o que dá entre 833 e 1667.
Agora de posse desses 2 números, basta multiplicar esses números pela quantidade de usuários ativos que o Real Valor tinha.
Se o Real Valor tinha 20k usuários ativos, o valuation seria entre 16,6 mi e 33,3 mi.
Todos os números que eu usei nesse exemplo foram fictícios para facilitar o entendimento.
A gente pegou essa lógica e aplicou a todas as rodadas de investimento de cada um dos concorrentes e conseguimos ter uma faixa de valuation em cada momento deles.
Usamos uma media disso para chegar a um valuation que fizesse sentido para a gente.
Não necessariamente esse método é o mais cientifico, mas ele dava algo que a gente precisava: uma noção de quanto a gente valia.
A partir desse momento, a negociação de preço seria por volta daqueles números.
Meu objetivo era passar o texto de hoje destrinchando como foi cada conversa, mas acabei não conseguindo porque tive que dar todo esse contexto.
No texto da semana que vem, vamos destrinchar um pouco mais como foram as conversas e as negociações que culminaram na venda do Real Valor.
Obrigado por ler até aqui.
Até semana que vem.
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